"Subíamos os degraus para o desconhecido"
Bombeiros
são vistos durante o 11 de setembro
Enquanto
milhares fugiram das Torres Gêmeas em chamas no World Trade Center (WTC) em
Nova York, mais de 1 mil bombeiros fizeram o caminho inverso após os ataques do
11 de Setembro. Em meio ao caos, vestindo roupas pesadas e carregando ao menos
23 quilos de equipamentos eles dividiram as escadas, estreitas para o tráfego
daquela manhã de terça-feira, com aqueles que lutavam para sobreviver aos
atentados terroristas que mudaram o mundo para sempre.
Subíamos os degraus para o desconhecido. Não fazíamos a menor ideia do que encontraríamos pela frente, mas sabíamos que aquele dia mudaria nossas vidas", disse um bombeiro do Esquadrão 23 de Manhattan, que, assim como a maioria de seus colegas, não quis ter seu nome publicado.
Subíamos os degraus para o desconhecido. Não fazíamos a menor ideia do que encontraríamos pela frente, mas sabíamos que aquele dia mudaria nossas vidas", disse um bombeiro do Esquadrão 23 de Manhattan, que, assim como a maioria de seus colegas, não quis ter seu nome publicado.
Entre
os bombeiros, o 11 de setembro virou quase um tabu. "Ninguém gosta de
falar disso. Não falamos nem mesmo entre nós. Não foi só o pior dia de nossas
vidas, foi o pior ano", afirmou o bombeiro de 38 anos, que chegou à Torre
Norte logo depois do primeiro ataque, às 8h46. O segundo foi perpetrado com o vôo
175 da United Airlines, que colidiu entre os andares 77 e 85 da Torre Sul às
9h03, 17 minutos depois do primeiro choque.
Dos
2.753 mortos nas Torres Gêmeas, 411 faziam parte das equipes de resgate (e, em
sua grande maioria, morreram no colapso dos prédios): o Departamento de
Bombeiros de Nova York perdeu 343 homens, enquanto a Polícia Portuária
contabilizou 37 vítimas e o Departamento de Polícia, 23. Além disso, oito
paramédicos morreram no WTC. O incêndio mais mortal para os bombeiros antes do
11 de Setembro ocorreu em 1966, deixando 12 mortos. A morte de 343 colegas foi
um choque extremamente forte para os bombeiros sobreviventes.
A manhã
do dia 11 foi horrível, mas apenas o início. Nas horas seguintes, as viúvas e
os filhos dos colegas desaparecidos nos pediam ajuda para procurá-los nos
escombros, ainda com esperanças de encontrá-los vivos. Era muito duro. Depois
vieram centenas de funerais para os colegas, a dificuldade das famílias em lidar
com a perda e os problemas financeiros, a culpa por não tê-los protegido de
forma adequada e a vergonha de ser um sobrevivente em meio a tantas perdas. Por
que eu? Por que não um colega que tinha três filhos?",questionou o
bombeiro.
Menos
de uma hora depois de o voo 11 da American Airlines se chocar entre os andares
93 e 99 da Torre Norte do WTC, mais de 1 mil bombeiros, centenas deles em
férias, de folga ou mesmo aposentados, apresentaram-se para ajudar a salvar
vidas. Entre eles, 17 aprendizes, garotos como Christian Regenhard, um
ex-marine (fuzileiro naval) que tinha saído da academia dos bombeiros havia
menos de seis semanas.
Observando
as labaredas de fogo nos rombos abertos pelos aviões, vários bombeiros
experientes disseram mais tarde que já sabiam que seria impossível apagar
aqueles incêndios. Era exclusivamente uma operação de salvamento, de acordo com
o livro "102 Minutos - A História Inédita da Luta Pela Vida nas Torres
Gêmeas", dos jornalistas Jim Dwyer e Kevin Flynn.
Obstáculos do salvamento
Os 11
mil homens do NYFD (o Departamento de Bombeiros do Estado de Nova York) podem
apagar o fogo de um andar, no máximo dois em um edifício alto. Mas, no 11 de
Setembro, sua tarefa era enfrentar pelo menos cinco andares completamente em
chamas no WTC. "Cada mangueira pode jorrar no máximo 1 mil litros de água
por minuto, o suficiente para apagar o fogo de 230 metros quadrados de
área", afirmou Francis Gribbon, do NYFD.
Com
diversas mangueiras, os bombeiros poderiam lutar contra um incêndio em um andar
de quase 4 mil metros quadrados. Mas não cinco, e certamente não sem água. Com
o impacto dos aviões, vários canos foram quebrados, e a água do prédio não
tinha pressão suficiente para subir aos andares mais altos.
E as
dificuldades não paravam por aí. Grande parte dos bombeiros não era
familiarizada com as escadas e os corredores das Torres Gêmeas, com muitos não
sabendo diferenciar a Torre Norte (número 1) da Torre Sul (2). Outro grave
problema era o fato de os 99 elevadores de cada edifício terem ficado bloqueados
após os ataques, completamente fora de uso. E vários com pessoas presas dentro.
Depois
da explosão de um carro-bomba que deixou sete mortos e vários feridos no
subsolo da Torre Norte em fevereiro de 1993, o comandante do Departamento dos
Bombeiros, Donald Burns, escreveu em um relatório que, "sem elevadores, o
movimento dos bombeiros do chão até os andares mais altos das torres poderia
ser medido em horas, não em minutos".
Após
subir cerca de 20 andares a pé e carregando peso, dezenas de bombeiros congestionaram
as cinco frequências de rádio que usavam para informar que sentiam dores no
peito e falta de ar. Grande parte das equipes era obrigada a fazer uma pausa
nesses andares para recuperar o fôlego.
A
última grande dificuldade, e talvez a mais fatal delas, foi o fato de os rádios
dos bombeiros não funcionarem perfeitamente em edifícios altos. Mesmo depois de
instalar rebatedores de ondas no WTC após o fracasso das comunicações durante a
retirada de 1993, os rádios apresentavam fortes interferências e falhas graves
nas comunicações durante a manhã do 11 de Setembro.
Apesar
de todas essas dificuldades, alguns conseguiram chegar aos andares atingidos
pelo avião na Torre Sul, dando apoio às vítimas mais atingidas e conseguindo
esvaziar quase completamente os andares diretamente abaixo dos incêndios.
Por
causa das dificuldades, porém, dezenas nunca ouviram o chamado de emergência de
seus chefes após o colapso da Torre Sul, às 9h59, continuando a subir as
escadas do outro prédio para morrer fazendo seu trabalho quando ele desabou, às
10h28. Segundo o livro "102 Minutos", acredita-se que pelo menos 200
bombeiros estavam na Torre Norte quando ela desmoronou.
Trabalho heróico
Nos dias seguintes aos ataques, os bombeiros se transformaram em heróis do 11
de Setembro. O então prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, afirmou que os
policiais e bombeiros haviam salvado a vida de 25 mil pessoas, realizando
"o maior salvamento do mundo". Giuliani também criou um fundo
especial de caridade para as famílias dos bombeiros e policiais mortos com a
queda das torres, para o qual os cidadãos americanos (e de vários outros
países) doaram mais de US$ 216 milhões.
Na
época, Giuliani repetidamente afirmou que os bombeiros tinham sido heróis
porque, mesmo sabendo que corriam risco imediato de vida na Torre Norte, depois
do colapso da Torre Sul, não abandonaram os seus postos e continuaram salvando
civis. Giuliani não mentiu, mas a realidade da maioria dos bombeiros é mais
cruel.
Em
junho de 2005, o Instituto Nacional de Tecnologias e Padrões publicou um longo
documento com o que seria considerada a "autópsia" das Torres Gêmeas
e do processo de salvamento. Dos 58 bombeiros que aceitaram fazer relatos de
suas experiências e escaparam do segundo desabamento, apenas quatro disseram
ter saído da Torre Norte por saber que a Sul havia caído.
O
tenente William Walsh, por exemplo, disse que ouviu um chamado do chefe pelo
rádio e desceu as escadas calmamente, encontrando pelo caminho dezenas de
outros bombeiros que ainda subiam e não haviam ouvido nada pelo rádio. Ao sair
do prédio, Walsh se assustou. Ele não sabia nem que a Torre Sul havia sido
atacada por outro avião, muito menos que havia desabado.
Dos
seis bombeiros entrevistados para esta matéria, nenhum aceitou o rótulo de que
foram heróis naquele dia ou de que são heróis por exercer a profissão. "É
o nosso trabalho, é o que fazemos. Não é um ato de heroísmo. É a escolha que
fizemos anos atrás: ajudar pessoas em perigo", disse um bombeiro do
Esquadrão 10, exatamente ao lado do Marco Zero (onde ficavam as Torres Gêmeas).
Jules
Naudet, cineasta francês que filmava a atuação dos bombeiros dentro da Torre
Norte quando houve o primeiro desabamento, foi salvo diversas vezes pelo chefe
dos bombeiros no WTC, Joseph Pfeifer. "Apesar de eles odiarem ser chamados
de heróis, foram totalmente heróicos naquele dia, fazendo de tudo para salvar
vidas. Acredito que é um trabalho para o qual algumas pessoas são 'chamadas',
têm a vocação. E tudo isso por um péssimo salário, pouco reconhecimento, muito
tempo longe da família", disse ao iG.
O
ex-chefe dos bombeiros de Nova York, atualmente aposentado, Vincent Dunn,
concorda. "Quando era bombeiro, não me achava um herói. Mas quando virei
chefe e comecei a observar com distanciamento o trabalho, tive certeza de que são
heróis. Eles arriscam a vida quase diariamente para salvar a de desconhecidos.
Se isso não é ser heróico, não consigo imaginar o que possa ser",
completou.